A minha paixão por Luanda começou em criança, na Vila Alice, um bairro que combinava burgueses com ferroviários, funcionários públicos, comerciantes, famílias tradicionais, passantes, revolucionários, artistas, mestres, e até militares que enlouqueciam nos campos de batalha. O bairro, diziam, tinha as meninas mais bonitas de Luanda. E os desportistas mais esforçados, que mais tarde brilharam no basquetebol ao serviço do clube do bairro vizinho: Vila Clotilde.
Dividi a infância com as ruas do Bairro Operário, onde a minha avó me ensinou a amar a terra e a viver com os poros encostados ao chão de areia e onde fugi da primeira “berrida” da Polícia Militar. Foi ali que conheci outra Luanda, mais autêntica, menos vaidosa e, apesar de tudo, mais livre. A cidade para além da fronteira do asfalto, mas com as ruas poeirentas abertas à cultura e cada casa encerrando mistérios de combinas nacionalistas ou acolhendo amores fatais.
E Luanda sabe a mangas madurinhas, a cajus sumarentos e a figos da índia derrubados à fisga. Luanda sabe a maresia e aos almoços de sábado debaixo da mandioqueira de um quintalão do Bairro Operário, do Marçal, do Sambizanga, do Catambor. Luanda tem tantos gostos e tantos encantos que precisava de mil páginas para descrevê-los. E de mais espaço ainda para lhe fazer a declaração de amor que merece.
Esta é a cidade que sobreviveu ao rolar dos séculos e continua viva e jovem como no primeiro dia em que foi posta a primeira pedra numa casa qualquer na base do monte de S. Miguel, à vista da Ilha do Cabo e aos pés da Baía. É preciso preservar a brisa fresca que começa a soprar ao fim da tarde e envolve a cidade num manto de luar. Temos de guardar as pedras que marcam os séculos e os caminhos que os luandenses de outras eras percorreram, levando a cidade até às portas do paraíso. Temos de curar as feridas no seu corpo, provocadas pela pressão humana. É uma missão difícil mas que vai encher de orgulho todos os que a levarem a cabo.
When I wrote thisor this, I had already enjoyed that front beach all surrounded by Table Mountain views, where the Atlantic and Indian Oceans meet, before. But never at around this time of the year when it turns into a dreadful place that totally confirms what artist/entrepreneur Ha Schult says on 'take two' of this post bellow: "the oceans of our planet are the biggest garbage dump"!
So, if I may suggest, Blouberg would be a prime location for a Beach Garbage Hotel… Another such location that I can think of is Luanda and, more specifically, the island of Mussulo!
TAKE TWO
"I created the Beach Garbage Hotel because the oceans of our planet are the biggest garbage dump," the artist Ha Schult told the AFP news agency of his five-bedroom Madrid lodging built from rubbish, which opened today as part of the International Tourism Fair. Around one-third of the items used to construct the temporary accommodation came from discarded items found on the beaches of Europe; other building materials originated in dumps and flea markets. The point of the project was to draw attention to the huge amount of waste generated by mass tourism, especially on beaches, said Rose Piqueras, a spokeswoman for the hotel. Rome is known as one of the most beautiful cities in the world, with unforgettable architecture and an atmosphere that can’t be found anywhere else. Lately, though, it’s become a real dump. German artist Ha Schult constructed a temporary hotel in the city to highlight the sad state of Europe’s beaches. The hotel, part of Corona’s Save the Beach campaign, is constructed of garbage collected from the shoreline.
“Apos a independencia, o Estado passou a financiar os grupos e fixou a data do Carnaval a 27 de Marco, dia do aniversario da Vitoria (em 76) das FAPLA sobre as tropas sul-africanas.” Assim reza uma historia a qual voltarei mais tarde neste post.
Mas, por agora, falemos de datas: 4 de Fevereiro, ou 15 de Marco? 2 de Marco, ou… outra data qualquer? 27 de Marco, “dia do aniversario da Vitoria (em 76) das FAPLA sobre as tropas sul-africanas”, ou 25 de Maio (em 91), dia da assinatura do acordo de retirada das forcas cubanas na sequencia da batalha do Kuito Kwanavale?
Certo, certo, e porque o 4 de Abril parece que tambem ja’ mudou para o 5 de Marco, parece que as unicas datas certas do pos-Dipanda que temos, para alem do proprio 11 de Novembro, sao o 23 de Janeiro e o 27 de Maio… Essas datas, infelizmente, por muito que se as queira enterrar na 'bruma da memoria', de certeza que nunca poderao ser mudadas (mesmo porque ha' sempre alguem pronto a lembrar-nos delas ainda que "apenas por entre os dentes, em silencio"...), para o bem ou para o mal… E isso ao contrario do Carnaval, cuja data, de ha’ uns anos a esta parte, voltou a ser mudada para o dia que tradicionalmente lhe e' reservado.
E e’ essa palavra, “tradicionalmente”, que me faz voltar ao Carnaval depois de este ano o ter ja’ assinalado aqui. E tudo porque o Carnaval deste ano me deixou muito kafusa entre as nocoes de 'tradicao' e 'modernidade'...
Entao nao e’ que o vencedor do ano passado, o Unidos de Caxinde (UC), da Associacao Cha' de Caxinde dirigida por Jacques dos Santos, este ano ficou em oitavo lugar, ou seja, a um passo de ser relegado para o segundo escalao, e decidiu, na semana que ontem terminou, nao mais voltar a competir no Carnaval de Luanda?! Mas nao, desenganem-se os que comecaram ja’ a pensar em “mau perder”: aparentemente e’ tudo so’ mesmo em nome da 'modernidade' e… do 'respeito pelas instituicoes'! Mas o 'respeito pelas instituicoes' nao implica de algum modo o respeito pela 'tradicao' e suas instituicoes? Estou mesmo kafusa!
E pode la’ haver mais modernidade do que uma Segunda Marginalnovinha em folha para inaugurar com o desfile de Carnaval, na data certa, no pos-Dipanda?
E mais kafusa ainda fico quando me dizem que e’ tudo por culpa da Delegacao Provincial da Cultura de Luanda de que aqui se fala… Mas, na altura nao os aplaudiram todos e todas (embora tenham feito vista grossa e assobiado pro lado perante certos corpos semi-nus e respectivas bundonas klassiko-kulturais sendo paradeados em publico exactamente naquela mesma altura...)? Ou estariam, em ambos os casos, so' a fingir? E o que e’ que eles fizeram ali senao proibir a "exibicao de bundas em publico"? E isso estara’ muito longe da "exibicao de mini-saias e ‘pernoes’" (... como cantava o Mestre Geraldo: oh mini-saia brinca na areia, mulher e' bessangana, mulher e' de respeito, brinca rebita...) que supostamente (tambem?) representariam a 'modernidade' do UC, em vez das damas com aquelas “saias compridas tipo varina” dos tempos do kaprandanda que “nao deixam ver nada” e os cavalheiros vestidos segundo a "estetica do pinguim" sob o sol escaldante?! Nao... estou mesmo kafusa!
Nao deixo, no entanto, de lamentar essa dramatica decisao, aparentemente in extremis , do UC. Nao necessariamente pela 'modernidade' em nome da qual se manifestam, uma vez que, como venho repetindo, estou bastante kafusa sobre o que isso possa significar no contexto do Carnaval Angolano, mas pela diversidade que, obviamente, se perde com a saida de um grupo que, pelos ecosque me vao chegando, se tornou tao proeminente no Carnaval de Luanda durante a ultima decada. E sentindo-me tao frequentemente entre os excluidos e rejeitados de toda a ordem e natureza, nao posso, em nome do conceito de cidadania e seus respectivos direitos, deixar de sentir simpatia por quem tambem assim se sinta em quaisquer circunstancias.
Porem, porque e’ (foi) Carnaval, espero que nao me levem a mal por sugerir aos membros do UC que 'sigam o leader' (a.k.a. Banda Desenhada) e vao paradear toda a sua 'modernidade' no Carnaval de Benguela… ali e’ que talvez ninguem mesmo lhes vai levar a mal!
Entretanto...
Numa segunda abordagem, porem, talvez a principal razao de eu estar tao kafusa nao tenha bem a ver com a decisao dos UC, mas mais com o facto de eu ter pensado, como aquiexpressei, que "progresso" (ou, se se preferir, "modernidade") em termos de "semba, kizomba e kuduro", especialmente se em comparacao com outras formas de expressao desses generos, poderia (tambem e por exemplo) significar o que ouve nesse Kamusekele do Dog Murras com o Kota Bonga, utilizando sons, ritmos e o espirito do Carnaval tradicional de Luanda... E nao e' que esse mesmo Kamusekele so' me trouxe bwerere' do bwe' do bwe' de makas de sanzala aki pro mo kubiku, com ameacas de morte e tudo?!
[Kamusekele - Dog Murras, feat. Bonga]
Mas afinale parece que, tal como a decisao dos UC, nem tudo o que parece nas reaccoes e atitudes intolerantes dos "absolutamente alergicos" ao kuduro (e... aparentemente, a este blog! - como se eu o tivesse inventado ou fosse a sua maior aficcionada e propagandista e, ultimamente, tambem dos tais de melindros, kambwas e sei eu la' mais o que!...) e': porque a maka deles parece ter tudo a ver, apenas e tao so', com a letra desse Kamusekele... a qual, quanto a mim, constitui, nada mais nada menos, do que um bom exemplo de "critica social" que, paradoxal e ironicamente, alguns dos seus maiores depredadores dizem praticar, apelidando-a de "musica sem conteudo"! Mas, e mais uma vez nao me levem a mal porque de Carnaval se trata, la' diz o ditado: "quem se ofendeu, carapuca lhe serviu"!
So' que, enquanto eu aqui sou bombardeada sem apelo nem agravo com obuses no meu quintal por causa da musica dele, o Dog Murras passou este Carnaval, bem como os dos ultimos anos, na maior la' pras bandas do Brasil, abrilhantando o Carnaval da Bahia com os sons do Carnaval de Luanda, como aquise pode verificar... Ja' viram?!
Mas, voltando ao Carnaval de Luanda, uma coisa que gostei particularmente de saber foi do desfile dos kanukos, onde, segundo esta noticia, "o prémio correspondente à classe C (infantil) foi atribuído à canção “Defesa da tradição”, do grupo União Cassules dos Jovens da Cacimba, pelo carácter explícito das mensagens apelativas, aproximando o ritmo expressivo do Carnaval à tradição musical angolana, enaltecendo, desta forma, as origens sócio-culturais do Carnaval angolano."
Bom, o que eu e os ndengues do meu bairro (na altura B.O./Sao Paulo) nao dariamos para podermos ir tambem desfilar "oficialmente" na Marginal! ... Naqueles nossos tempos, nas vesperas do Carnaval, era um corre-corre para arranjarmos nas despensas das nossas maes 'massa estrelinha' e 'massa cotovelo', mais feijoes de varios tipos, cores e tamanhos e aquelas sementes vermelhas e castanhas que iamos coleccionando ao longo do ano quando iamos a praia da floresta da Ilha ou ao Mussulo, mais algumas missangas de varias cores para fazermos os nossos colares e pulseiras; mais saias feitas de sacos de sarapilheira, desfiados da meia-perna para baixo e uns tops tambem de sarapilheira ou de panos de cores garridas, com turbantes na cabeca a condizer e as caras pintadas das cores e geitos da nossa criatividade, com muito vermelho e branco a mistura...
Mas ali nao havia bem competicao, nem juri: ganhava o grupo que conseguisse amealhar mais kitari dos mais-velhos pelas ruas em que desfilavamos - um pouco como fazem os miudos do ocidente no seu Halloween.
Entao, escolhiamos os nossos principe e princesa e saiamos em grupos pelo bairro afora pra brinkar o nosso karnaval, a bater os nossos batukitos bem aquecidos e as nossas latas e garrafas bem pintadas e decoradas, a soprar os nossos apitos e cornetas e a dikanzar os nossos bordoes bem trabalhados e os nossos chocalhos, todos bem ritmados e animados atras do Mayado, que era o nosso maskarado 'a Tchinganji ou Mukixi:
Tam-taram-tam-tam... mayado! Tam-tam-taram-tam-tam... mayado! Pao com gin-gu-ba... mayado! Tam-tam-taram-tam-tam... mayado! Pao com gin-gu-ba... mayado! Tam-tam-taram-tam-tam... Mayado!!!
A 'Tradicao'
“O semba e’ uma adaptacao do kazukuta. O meu pai transpos os ritmos kimbundus para a viola. Tinha conhecimento das musicas portuguesas e brasileiras. Transpos muita coisa em tom menor.” - Carlitos Vieira Dias
Em Luanda e noutras cidades (Malange, Benguela) o Carnaval e’ desde o seculo XIX a festa popular por excelencia onde os africanos se mascaram de figuras portuguesas e dancam pantomimas alegoricas. Nos anos 40, nos grupos carnavalescos dos musseques, ganham forca as percussoes e a dikanza, ao lado da corneta, dos apitos e dos chocalhos. As dancas sao dizanda, varina, kabetula, cidralia, maringa, kazukuta, njimba. O carnaval foi proibido de 61 a 68.
[Na Rua de Sao Paulo - Kabokomeu]
Apos a independencia, o Estado passou a financiar os grupos e fixou a data do carnaval a 27 de Marco, dia do aniversario da vitoria (em 76) das FAPLA sobre as tropas sul-africanas. Uniao Operaria Kabokomeu foi fundado em Janeiro de 1952, por operarios do Sambizanga. Uniao Mundo da Ilha juntou em 1968 varios grupos da Ilha de Luanda. Na Rua de Sao Paulo e’ um kazukuta, danca baseada em pantomima. Amanha Vamos a Procura da Chave e’ uma varina. Se bem que gravadas em 1978, estas duas musicas sao representativas do carnaval dos anos 50-60.
[Amanha Vamos a Procura da Chave - Uniao Mundo da Ilha]
A rebita apareceu no final do seculo XIX nos saloes de uma elite negra e mulata das cidades (Luanda, Benguela). A danca de origem europeia (quadrille ou contre danse) foi africanizada. Toca-se com concerina e dikanza. As damas sao trajadas de panos africanos, com penteados kindumba, os cavalheiros de fato, a rigor, com chapeu de coco. Os apitos e as ordens (com algumas palavras em frances) do “comandante”, dao o sinal das viragens, acompanhadas de palmas e umbigadas. O nome tradicional e’ massemba, a palavra rebita aparece mais tarde. Mestre Geraldo, grande mestre de rebita e chefe de grupos carnavalescos, introduziu percussoes dos pescadores da Ilha de Luanda, tornando-a mais popular. Mini Saia, muito celebre, e’ uma mistura de varina e massemba.
[Mini Saia - Mestre Geraldo Morgado]
[Extractos de textos de Jorge Macedo, Artur Arriscado, João Chagas, Gilberto Junior e Ariel de Bigault, in Angola 60’s – Buda Musique 1999]
Finalmente, se me e' permitido, gostaria de regressar ao meu Carnaval.
Como afirmei em algumas ocasioes (e.g. aqui), tenho por principio fundamental nao falar, menos ainda tentar explicar, (d)os meus poemas, mesmo quando confrontada, como tem sido norma desde a publicacao do meu primeiro, e ate' agora, unico livro, com a sua total deturpacao, manipulacao, ou indevida interpretacao/apropriacao - voluntaria e conscientemente ou nao. Dito isso, tenho vindo ultimamente a abrir algumas excepcoes, como foi o caso aqui, aqui, aquie aqui.
Fa-lo-ei agora tambem um pouco em relacao a esse poema em que tentei recriar a atmosfera do Carnaval.
Sempre entendi o Carnaval (em qualquer parte do mundo) como uma manifestacao de algo assim como o "festival da carne" - uma festa pagã destinada inicialmente a dar vazao a tudo (ou quase) quanto era proibido pela religiao ao longo do resto do ano (dai o "prazer 'imedido' na exorcisao das teias do armario"); uma especie de "teatro do absurdo", uma expressao de "transgressao" daquilo que vai contra a norma estabelecida, "anormal" portanto (e.g. "despir o nu e agasalhar o mal vestido" - algo expresso na exuberancia das vestes de Carnaval mesmo pelos que durante o resto do ano mal teem com que se vestir, podendo para tanto chegar a "despir o nu" -, ou "qualquer ovo que se machuca e se espalha lentamente pelo corpo", ou ainda "um aperto de maos, de costas, para dar mais prazer"). Tudo isso, porem, com um prazo limitado de que os folioes nao se lembram "senao a despedida", i.e., apenas quando e' tempo de "varrer as cinzas".
Enfim, uma festa destinada a "chocar", a provocar "choque(s)" no sistema social - e, nessa medida, ele tera' evoluido do chocar com o sistema religioso ao chocar com o sistema politico, "entre a calma do ocio - o dolce fare niente, o nao trabalhar, dos dias de Carnaval, que e' tambem um acto contra a 'norma' - e o desprezo da revolta" [contra o(s) sistema(s)].
E tudo isso para que a norma, o(s) sistema(s), enfim, os "valores e principios" estabelecidos, se possam manter (e reproduzir-se) quando tudo regressa a normalidade do resto do ano - dai a "tempestade que nunca desabara'" apesar do "vento rasteiro, sibilino": Carnaval.
Mas o tema do Carnaval foi apenas um pretexto para escrever sobre outras coisas que na altura se estavam a passar na minha vida, ao regressar a Luanda com o meu filho de Lisboa, depois de ter passado pelo Carnaval do Rio com o falecido pai dele em 1983. Mas essas sao outras historias.
Fecho os olhos e viajo nos meandros da memória...
No horizonte, pinceladas cor de laranja mancham o céu...
Ao meu lado o Fredy, sentado em cima da carrinha empoeirada,
abana as pernas como um miúdo inquieto...
Inspiro profundamente...
Cheira a África...
Ouve-se o click de uma lata a abrir...
Sinto a frescura do G&T descer pela garganta...
Estou em paz...
Estou feliz...
Nita de Bemquerença Peixoto
MOMENT
Closing my eyes I travel within the depths of remembrance...
In the horizon orange brushes paint the sky...
Shaking his legs, like a restless kid,
Fredy sits by my side on the dusty van...
I take a deep breath...
It smells like Africa...
The click of a can being opened echoes...
I feel the freshness of a G&T going down my throat..
I’m at peace...
I’m happy...
A cidade de Luanda celebra hoje o seu 435.º aniversário. Os funcionários públicos do governo provincial vão gozar de tolerância de ponto a partir do meio-dia.
Luanda é a maior cidade e capital de Angola. Localizada na costa do Oceano Atlântico, é o principal porto e centro administrativo de Angola. Tem uma população de aproximadamente 4,5 milhões de habitantes (estimativa da ONU em 2004), o que a torna a terceira maior cidade lusófona do mundo, atrás de São Paulo e Rio de Janeiro.
Para celebrar o 435.º aniversário da cidadede Luanda, o museu de História Natural (no município de Ingombota) inaugura uma exposição de fotografias ilustrativas da cidade antes e depois de 1975. Na exposição estão diversas fotografias que ilustram o desenvolvimento industrial, a expansão de bairros da cidade, com particular realce as modificações do porto comercial de Luanda, antiga Fortaleza de São Miguel, Museu da Escravatura, igrejas, sede do Governo Provincial de Luanda, Largo da Mutamba, entre outros locais. Estão ainda ilustradas infra-estruturas modernas de novos edifícios na baixa de Luanda e novas urbanizações (complexos habitacionais), nos arredores da cidade.
Para o director provincial da Cultura, Manuel Sebastião a problemática da percepção histórica, política e cultural expostas em fotografias “traduzem uma estética na qual as imagens se tornam meios culturais, transformando-as em cartografias emocionais e poéticas da cidade”.
Luanda completa os seus 435 anos em tempo de esperança. A cidade secular viveu nas três últimas décadas um dos mais graves períodos da sua existência, mas os projectos de requalificação urbana que estão em marcha permitem sonhar com o renascer de uma das mais belas capitais do mundo. Nem as feridas provocadas por anos de abandono apagam a paixão dos luandenses pela sua terra.
Hoje podemos falar da Grande Luanda. A cidade cresceu para Viana e para Sul. Esse crescimento, inicialmente foi ordenado mas depois veio o caos. Mesmo assim, Viana tem as urbanizações do Zango que quase “encostam” à comuna do Bom Jesus, no Bengo. As urbanizações do Panguila são uma ponte que está quase no Caxito.
Os refugiados da guerra cercaram Luanda com um “anel” de novos bairros desordenados e caóticos. Têm nomes a condizer com a origem dos deslocados: Malanjino, Uíge ou Huambo. O desordenamento urbano tinha no mercado Roque Santeiro a sua máxima expressão. As autoridades conseguiram eliminar esse cancro que ameaçava inviabilizar a velha cidade centenária e invadi-la até o caos se transformar em regra.
O mercado Roque Santeiro era um exemplo flagrante da falta de autoridade do Estado. Há quem não acredite, mas naquela amálgama de lixo e barracas existiam escolas de condução ou agências funerárias. Os clientes podiam comprar no mercado desde agulhas até armas ou camiões. Hoje os vendedores estão no Mercado do Panguila onde praticam o comércio em condições higiénicas e de segurança. Ganharam os vendedores, os clientes mas sobretudo ganhou a secular cidade de Luanda.
Trânsito caótico
O caos urbanístico em breve chegou a todos os sectores de Luanda. O crescimento rápido e desordenado da população, a importação livre de milhões de carros, a debilidade do ensino de condução provocaram nas ruas de Luanda engarrafamentos constantes onde diariamente se perdem milhões de horas de trabalho e se desperdiçam biliões de litros de combustíveis.
Luanda hoje tem uma auto-estrada que envolve a cidade, mas pouco adiantou essa importante infra-estrutura. Há cada vez mais carros a circular e a esmagadora maioria dos automobilistas não respeita as regras básicas do Código de Estrada. Os próprios agentes da polícia convivem bem com a falta de respeito pelas regras de trânsito.
Muitas vias secundárias e os arruamentos de bairros suburbanos estão intransitáveis. O governador da província, José Maria Ferraz, tem feito visitas aos municípios e já conhece a situação. Mas não há uma solução imediata para os problemas da cidade e as intervenções exigem uma conjugação de esforços de todas as instituições que têm a responsabilidade de gerir Luanda.
Os luandenses aguardam, pacientemente, pela reparação das vias. Mas mesmo com as melhores estradas do mundo, nada se resolve enquanto o civismo não se sentar ao volante e a mão pesada da lei não puser na ordem os automobilistas que infringem as regras de trânsito. E entre estes, estão os candongueiros que continuam com “carta branca” para cometer as mais bárbaras tropelias nas ruas da cidade, com a conivência dos agentes de trânsito.
Zungueiras perseguidas
Luanda tem zungueiras em todas as esquinas. Ao contrário do que muitos pensam, elas não são fruto da guerra. As quitandeiras fazem parte da paisagem humana de Luanda e sem elas, a cidade perde identidade. O seu comportamento é que mudou ao longo dos séculos. No século XIX elas eram exemplo de limpeza e cuidado com os produtos que vendiam.
Hoje as zungueiras, herdeiras das quitandeiras de Luanda, perderam o sentido da limpeza e da higiene. Algumas cometem autênticos atentados à saúde pública. Os consumidores aceitam essas situações. Mas os agentes da fiscalização reprimem essas situações e com toda a razão. Não pode haver contemplações com quem atenta contra a saúde pública, por muito que custe reprimir quem tem uma vida tão precária.
O ministro do Interior, Sebastião Martins, num encontro com jornalistas dos órgãos de informação pediu ponderação, em determinadas situações, aos efectivos da Polícia Nacional, no combate ao comércio ilegal, dito informal. É uma atitude louvável. Mas a tolerância tem de dar lugar à intolerância quando está em jogo a saúde e a vida dos “fregueses”.
Peixeiras ao sol
As peixeiras continuam a “anunciar” os seus produtos com os seus pregões típicos. Luanda sem esta actividade é outra cidade, menos humana, mais fria, muito mais desumana. “É espada grooossa! É caraparaaauuu! É madiongááá! É sardinhááá!”. Houve tempo que estas mulheres começavam os seus pregões “manhã, manhãzinha” e desapareciam das ruas da cidade quando o sol começava a aquecer.
Hoje elas andam pelas ruas de manhã à noite e o peixe que vendem é pista de aterragem de nuvens de moscas. O problema é sempre o mesmo: saúde pública. Vender peixe sem o mínimo cuidado de higiene, com a “mercadoria” sob o sol impiedoso do fim da manhã e do princípio da tarde, pode provocar muitos problemas de saúde aos compradores ou mesmo pôr as suas vidas em risco.
Nenhum pregão típico vale uma vida humana. As autoridades sanitárias também neste aspecto têm uma palavra a dizer na defesa dos consumidores. Luanda, ao comemorar mais um aniversário, tem tudo a ganhar se começar a ser uma cidade normal. E começar pela limpeza e higiene é um bom princípio e uma excelente prenda de aniversário aos luandenses.
*[Teria preferido publicar aqui as minhas proprias fotos do Roque Santeiro - tiradas em 2001, sendo que numa delas se destaca uma jovem envergando um vestido impecavelmente branco e sapatos a condizer, contra o pano de fundo do mercado, tal e qual como a de vestido vermelho nesta foto daqui - mas tendo andado nos ultimos dias a procura delas sem qualquer sucesso... espero poder posta-las noutra ocasiao, quando as encontrar...]
Duas exposições do fotógrafo brasileiro Sérgio Guerra, em Luanda e em Lisboa, vão permitir redescobrir os hereros, povo banto que vive no Sul de Angola e que atravessou décadas de conflito mantendo os seus traços culturais. As duas exposições resultam das mais de 10 mil imagens e mais de uma centena de depoimentos que Sérgio Guerra registou em Julho e Agosto de 2009 quando viveu com os Hereros.
As exposições decorrerão em Luanda de 27 de Julho a 26 de Agosto, no Museu de História Natural, e em Lisboa de 19 de Agosto a 18 de Setembro, na Galeria Perve.
Distribuídos entre Angola - províncias angolanas do Cunene, Huíla e Namibe -, Namíbia e Botsuana, os Hereros, atualmente cerca de 240 mil, dedicam-se à pastorícia, são polígamos e semi-nómadas.
Na exposição de Luanda vai ser lançado o livro "Hereros - Angola", obra de 260 páginas que regista os cerca de dois meses de contactos de equipa do fotógrafo com aquele povo e que integra um CD de 18 faixas com cantos quotidianos, gravados ao vivo no campos, sem qualquer intervenção posterior que pudesse alterar a autenticidade dos registos.
Se Luanda marca o lançamento formal do livro, os hereros foram os primeiros a ver a obra, em Maio passado, numa acção que Sérgio Guerra, nascido no Recife, no estado brasileiro de Pernambuco, e que se tornou baiano por adoção, nos finais dos anos 1970, caracterizou à Lusa como "muito interessante". "Eles gostaram muito. Começaram a se enxergar dentro daquilo que a gente estava fazendo. Foi muito interessante. Acho que a melhor definição foram as palavras do soba (chefe tribal) Mutili Mbendula quando disse: Agora nós sabemos que é de verdade", disse Sérgio Guerra à Lusa.
O fotógrafo vive actualmente entre Luanda, Salvador e Rio de Janeiro, depois de a partir de 1998 ter iniciado vários programas de comunicação para o Governo Angolano, fixando com a objectiva da sua máquina um dos mais completos registos fotográficos das 18 províncias angolanas e das suas populações.